quarta-feira, 10 de abril de 2013

Em nome do amor: a naturalização da violência masculina.


http://diversao.terra.com.br/tv/abertura-de-39guerra-dos-sexos39-ganha-cena-antologica-da-1-versao,2bf8c4760c56a310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.htmlFaz tempo que desisti das novelas porque não sentia mais interesse pelas mesmas histórias. Enchi de Manoel Carlos com suas helenas (Helena com “h”, já que não se trata de um nome próprio e sim de tipos diversos, por assim dizer, de personalidades atribuídas às suas personagens) e as tramas eram tão repetitivas, os mesmos atores formando os mesmos casais românticos, teve uma inclusive que tive dúvidas se era uma nova novela ou se estava vendo a reprise da última. Mas, não é esse meu foco, para mim tanto faz se há quem goste e defende a mesmice, o que me atormenta a escrever hoje é sobre a cena que assisti ontem.

            A novela se chama “Guerra dos Sexos”, segundo soube é um remake, o próprio nome já é uma ofensa a ouvidos perspicazes. Desde quando devemos estar em guerra contra o sexo oposto? Isso dá a ideia de que não somos iguais em direitos e que mulheres e homens estarão eternamente lutando para que um se submeta ao outro. Mas ainda não é essa a questão central.
O que me impulsiona é a cena em que o personagem Nando (Reynaldo Gianecchini), que me pareceu ser o protagonista (me perdoem se não o é, pois como disse não assisto a novela) que normalmente é o “mocinho”, um homem romântico, “o cara” legal, o genro que toda mãe gostaria de ter, e como tal tem suas atitudes tidas como boas. Pois bem, traçado o perfil do personagem voltemos à cena de ontem em que este personagem batia furiosamente à porta da casa da sua noiva e gritava ferozmente para que ela a abrisse. Ele estava irritado, falava de forma grosseira e fazia o maior “barraco”. Os vizinhos começaram a reclamar do barulho e a dizer que chamariam a polícia e ele respondeu perguntando se eles nunca haviam brigado com a noiva e ninguém mais se intrometeu. Em seguida continuou a gritar para que a Juliana abrisse a porta e sem resposta dela acalmou a voz e pediu com mais paciência para conversar com ela. Como ela não o respondeu ele arrombou a porta e entrou dizendo mais ou menos - “Olha aí! ta o vendo o que você me fez fazer? Agora vai custar um dinheirão consertar isso”. Calma! Não se desesperem como eu, Juliana não estava em casa e ele apenas encontrou um bilhete dela rompendo a relação.
Garota esperta, né? Infelizmente, não! Pois, por mais que tudo isso fosse suficiente para que ela não quisesse mais um relacionamento com ele, a naturalização do comportamento masculino violento será justificado pelo “amor” à sua noiva. Pela paixão que nutre por ela e certamente no final dessa trama eles viverão felizes para sempre.
Não sei se é necessário questionar as falas e atitudes do personagem, para mim está tão claro, que nem sinto vontade de comentar. (Né, Laura Charlene? rsrs). Mas vamos lá! Ao refletir sobre a cena que assisti e a realidade que presencio, me entristece saber que por ser assim mesmo não posso sequer me indignar contra a cena já que novelas nada mais são do que o reflexo do nosso cotidiano e da nossa marca cultural. No entanto, me questiono sobre a apresentação naturalizada de uma prática que precisa ser criticada. Pois não há nada mais certo que o poder de atingir as massas que a rede Globo detém. Vejamos se me faço entender, é que se fosse algo referente à liberdade de expressão de grupos tidos como minoria a “opinião pública” conservadora exigiria que algum personagem morresse para pagar os seus pecados, mas Nando apesar de ser pobre é um homem, portanto pode arrombar a porta da casa da noiva e ficar impune. E pior, essa cena sugere que os homens que agem assim não são vilões, na verdade eles são homens bons movidos pelo “amor” que sentem pelas “suas” mulheres e vão lutar pelo seu “sentimento”, pois estão sofrendo por amor. Agora preciso explicar tantas aspas já que a ironia é uma marca difícil de imprimir. O que entendo nessa relação é que esse “amor” dele é por si mesmo e que pensa nela como “sua” propriedade e seu “sentimento” é de orgulho ferido por ela não o querer mais. E que Nando deveria ser preso, repudiado pelo seu núcleo de personagens da história, responder criminalmente pela violência que praticou e sua noiva não deveria perdoá-lo, como forma de difundir que as mulheres possuem direitos e que atitudes violentas não podem ser vistas como expressão do amor masculino, mas como agressão ao Direito da mulher e que a atitude do personagem feriu o Art. 7º da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida com Lei Maria da Penha, que diz que a violência patrimonial é uma violência doméstica e familiar contra a mulher.
Que os autores continuem a difundir essas ideias é até cabível, falta de bom senso e de compromisso com mudança social a gente vê por aqui. Mas apesar de ser ficção, volto a dizer que novelas são reflexos do nosso cotidiano e como tal reproduzem valores e ajudam a mantê-los e ainda que não se pretenda quebrar o clima da ilusão que também é sua marca, já que o entretenimento é o que se busca por parte de quem as assiste é preciso questionar essas práticas.
E para isso concluo propondo que pensemos em quantos “nandos” existem por aí e que eles são vítimas de nós mesmos. Vejam como Nando pergunta “viu o que você me fez fazer?” Ele entende que foi levado a isso por Juliana que não soube agir de forma que evitasse que ele se expressasse daquela forma. Mas, não acreditem que penso que a culpa é dela, pois quando penso nos “nandos vítimas de nós mesmos” me refiro à nossa sociedade que impõe que eles hajam desde meninos como “homens” e na nossa sociedade um homem não é educado para demonstrar e agir com sensibilidade, “isso é coisa de mulher”. Educam-se os homens para não externar como se sentem em relação às suas emoções, são proibidos de chorar, não podem demonstrar fragilidade e quando adultos a falta de capacidade de verbalizar o que sentem os levam a se expressar com violência. Meu pedido é de que pensemos em “nandos vítimas de nós mesmos” como forma de parar de impor comportamentos machistas às nossas crianças para depois puni-las por agirem como foram incentivadas desde pequenas. Meu pedido é de que parem de querer criar jogos de meninas contra meninos, de proibir que homens chorem e de fazer das nossas vidas um campo de guerra entre os sexos.